RACIONALISMO E EMPIRISMO
Racionalismo
e Empirismo
Desde as
origens da filosofia o problema do conhecimento sempre ocupou a maioria dos
filósofos. O tema já era tratado pelos pensadores pré-socráticos, os quais,
dada a maneira como abordavam o assunto, se dividiam entre racionalistas e
empiristas. O racionalismo e o empirismo representam visões opostas na maneira
de explicar como o homem adquire conhecimentos.
A classificação em correntes de
pensamento, evidentemente, foi realizada pelos pensadores posteriores, já que
nem os gregos ou os medievais tinham clara a separação entre as duas
tendências. Parmênides (cerca de 530 a.C. -460 a.C.) e os pitagóricos (século
VI a.C.) concordam que além do conhecimento empírico existe também o racional,
e é somente este último que efetivamente tem valor absoluto. Por outro lado, os
sofistas Protágoras (480 a.C. -410 a.C.) e Górgias (480 a.C.375 a.C.)
reconhecem somente o conhecimento sensível. Assim, como sabiam que as
experiências eram falhas e que não eram as mesmas para todo e qualquer
indivíduo, os sofistas concluíram pela relatividade do conhecimento, o que os
permitiu afirmar que “o homem é a medida de todas as coisas”, negando qualquer
conhecimento necessário e universal.
Avançando
mais no tempo, encontramos a filosofia de Platão (427 a. C.- 347 a. C.), cujo
pensamento é classificado como racionalista. O grande filósofo, afirmava que
para chegar à verdade era preciso ultrapassar os dados da experiência, falhos e
mutáveis, e alcançar o mundo da Ideias, princípios eternos e perfeitos.
O
grande filósofo ateniense afirmava que antes de viver neste mundo as almas
humanas habitavam o mundo das Ideias e ali conheciam o Bem, o Belo, as
Proporções e muitas outras. Ao nascerem em corpos humanos, as almas esqueciam o
que haviam vislumbrado neste mundo superior. Somente através de uma ascese e da
atividade filosófica é que as Ideias poderiam ser relembradas.
O exemplo
clássico desta crença é o Mito da Caverna, descrito no livro “A República”. A
base de todo o mito é o argumento de Platão, depois incorporado de diversas
formas à filosofia pelos pensadores racionalistas, de que existem conceitos que
são inatos ao ser humano (como a Razão, o Bem, a Justiça, etc.), os quais precisamos
apenas recordar. Um dos grandes argumentos apresentados ao longo da história em
favor do inatismo (o fato destes conceitos serem inatos, de já nascermos com
eles) era a capacidade de realizarmos operações matemáticas.
Segundo os
racionalistas, não havia como aprender conceitos e raciocínios matemáticos pela
experiência; estes deveriam ser inatos. O mais famoso exemplo desta
argumentação é apresentado em um dos diálogos de Platão, no “Menon”. Neste
diálogo, Sócrates inicia uma conversa com um jovem escravo, que passava pelo
local onde o filósofo confabulava com alguns amigos. Fazendo uma série de
perguntas dirigidas, Sócrates consegue que o escravo realize diversos
raciocínios matemáticos e geométricos, sem que nunca antes tivesse estudado
estas ciências. A historicidade do ocorrido narrado por Platão nunca pôde ser
provada. Fato é que com aquela história Platão queria provar que certas idéias
matemáticas eram inatas, já que com elas tínhamos tido contato no mundo das Ideias.
Por outro
lado sabemos por dados históricos e arqueológicos que a álgebra e a geometria
sofreram um lento desenvolvimento, desde a contagem de dias, registrados em
ossos há mais de 15.000 anos, até as técnicas desenvolvidas para observação dos
astros, construção de canais, medição de terras, construção de templos e
comércio, pelas grandes civilizações do Oriente Médio, Ásia e Mesoamérica. Tudo
isto – podemos acompanhá-lo por diversos documentos históricos – foi o
resultado de um lento aprimoramento de certos conceitos e práticas por força
das necessidades econômicas, a princípio bastante simples e elementares.
Aristóteles
(384 a.C.-322 a. C) discípulo de Platão, tinha uma posição diferente de seu
mestre. Defendia que a observação era a atividade básica para poder entender o
mundo. Em outras palavras, dizia que dos dados empíricos podiam-se tirar
conclusões e destas criar regras que explicassem o funcionamento da Natureza.
Com esta maneira de interpretar os dados da experiência, Aristóteles tornou-se
o fundador de diversas ciências e um dos maiores representantes do empirismo
(na realidade, chamado de realismo).
Após
Aristóteles, a maioria dos filósofos do período helênico seguiria a orientação
empirista. Mesmo porque, estas correntes filosóficas eram voltadas para temas
práticos, como a ética e a física e pouco para o desenvolvimento de um
pensamento mais sutil, como a metafísica. A escola Cirenaica , fundada por
Aristipo de Cirene (435 a.C. -356 a.C.), afirmava que só as sensações eram
critério de conhecimento. O mesmo ocorria com pequenas variações com os
cínicos, escola fundada por Antístenes (444 a.C. -365 a.C.), e com os estóicos,
que tinham em Zenon de Cítium (334 a.C. -262 a.C.) seu iniciador. Esta última
escola filosófica antecipou-se ao pensador inglês John Locke (do qual falaremos
adiante) em quase dois mil anos, afirmando que a alma humana não continha
qualquer tipo de idéia inata no nascimento, e que todo desenvolvimento posterior
era resultado da experiência através dos sentidos.
Outra corrente bastante
importante e com uma orientação empirista foi o epicurismo, fundado por Epicuro
de Samos (341 a.C.271 a.C.), para quem todo o conhecimento provinha das
sensações, causadas pelos átomos. A última escola de pensamento empirista da
Antiguidade foi o ceticismo, fundado por Pirro de Elis (360 a.C. -c. 270 a.C.).
O último grande representante desta escola foi Sexto, cognominado de “O
Empírico” (que também quer dizer médico). Os céticos partiam do pressuposto de
que a base do conhecimento eram os sentidos, que, no entanto, não eram dignos
de confiança.
Sendo assim, afirmavam que nada se poderia conhecer
verdadeiramente e que a cada afirmação era possível contrapor uma afirmação
contrária.
Durante
grande parte da Idade Média, pelo menos até o século XIII, a filosofia
dominante teve uma orientação racionalista. Isto se deve principalmente à
grande influência exercida pela filosofia neoplatonica (século III d.C.), de
Amônio Sacas (175 242) e Plotino (205 -270), sobre vários pensadores dos
primeiros séculos da nossa era.
Dentre estes filósofos estava Santo Agostinho
(354 -431), que com sua obra moldaria toda a teologia e filosofia medieval até
o aparecimento de São Tomás de Aquino (1225 -1274). Os conceitos de Idéias,
elaboradas por Platão, foram substituídas por conceitos como Deus, Alma e Bem,
conceitos que segundo Agostinho Deus já tinha impregnado na alma do homem e que
este descobria ao seguir o cristianismo.
A partir do
século XII, com os freqüentes contatos com a cultura árabe, o ocidente cristão
toma conhecimento das obras de Aristóteles. Os escritos do filósofo grego,
desaparecidos da cultura ocidental por longo tempo, passariam a exercer uma
grande influência sobre os teólogos da Igreja. Todavia, chegaram a ser
proibidos, para depois adquirirem plena aceitação após terem sido incorporados
á filosofia cristã por São Tomás de Aquino. Este pensador não era empirista,
mas acreditava que esta tendência filosófica não excluiria a fé. Através dos
dados dos sentidos, segundo Tomás, o conhecimento pode abstrair de cada objeto
individual a sua essência, sua forma universal. Deus, para Aquino, é
cognoscível por meios sensíveis e racionais, Com base nisso, o filósofo propõe
as “Cinco Vias”, as cinco sentenças que tentar provar a existência de Deus,
baseadas em parte no empirismo e no racionalismo.
Uma
importante corrente de pensamento derivada da Escolástica foi o Nominalismo.
Seu maior representante, Guilherme de Ockham, argumentava que as idéias
abstratas ou universais não correspondiam ao mundo real, sendo apenas
conceitos. A partir do Nominalismo registra-se uma dissociação da filosofia e
da teologia cada vez maior. Ockham chega a afirmar que através dos meios
racionais não se podia provar a existência de Deus.
“No que se
refere à ciência e à filosofia, a síntese medieval culminou com o sistema
abrangente de Tomás de Aquino. O racionalismo escolástico estava unido ao
misticismo cristão e o conhecimento dos gregos estava amoldado aos ensinamentos
da Igreja, formando uma imagem do universo. As causas finais estavam por trás
de cada processo da natureza. Uma inteligência divina permeava tudo. E a
vontade de Deus, apesar de incompreensível em seus detalhes, proporcionava racionalidade
e sentido a todas as coisas”. (Werkmeister, 1940, tradução nossa).
O texto do
pensador americano Werkmeister proporciona uma clara imagem do paradigma
teológico-filosófico que vigorou durante a maior parte da Idade Média. Todavia,
o Renascimento inauguraria uma nova mentalidade, uma maneira diferente de
enxergar o universo, já bastante influenciada pelo princípio de desenvolvimento
das ciências naturais. Um dos primeiros cientistas-filósofos da época (ainda
não havia clara distinção entre ambas as ciências), Bernardino Telésio, é um
típico representante da nova mentalidade empírico-científica da época. Segundo
Höffding, Telésio considerava que mesmo o mais alto e mais perfeito
conhecimento simplesmente consistia na habilidade de descobrir atributos e
condições desconhecidas do fenômeno, através de suas similaridades com outros
casos conhecidos.
Ou seja, novas descobertas devem ser feitas empiricamente,
baseadas na observação dos fenômenos da natureza, como já ensinava Aristóteles.
É neste
ambiente cultural que o empirismo e o racionalismo moderno se desenvolvem. Um
dos grandes precursores do empirismo – e por sinal também um dos ideólogos do
moderno método científico – foi Francis Bacon (1561-1626). Dizia ele que todo
conhecimento tinha que ser baseado em dados da experiência. As informações, no
entanto, deveriam ser reunidas e utilizadas de acordo com um método, de modo a
possibilitar fazer inferências cientificamente aproveitáveis.
Os
sucessores intelectuais de Bacon foram os empiristas ingleses, dos quais os
principais representantes eram Thomas Hobbes (1588-1674), John Locke
(1632-1704), George Berkeley (1685-1753) e David Hume (1711-1776). O ponto de
partida das investigações destes filósofos não foram os problemas do ser, mas
do conhecer. No entanto, enquanto filósofos continentais (os racionalistas)
encaram o problema do conhecimento a partir das ciências exatas, os empiristas
voltam-se para as ciências experimentais. O próprio ambiente cultural e
sócio-econômico da Inglaterra da época coopera para tanto, já que ocorria um
grande florescimento das ciências experimentais – botânica, astronomia,
química, mecânica, etc. Seguindo a linha de raciocínio das ciências
experimentais, o empirismo parte de fatos, eventos constatados pela
experiência.
Agindo assim, chega à seguinte problemática epistemológica: como,
partindo da experiência sensível, é possível chegar às leis universais? A
solução encontrada pelos filósofos foi a de que partindo do pressuposto de que
todo o conhecimento é originário da experiência, conclui-se que mesmo as idéias
abstratas e as leis científicas têm a mesma incerteza, instabilidade e
particularidade do conhecimento empírico. A alma (a mente) não possui idéias
inatas, como afirmava o racionalista Platão. As impressões, obtidas pela
experiência, isto é, pela sensação, percepção e pelo hábito, são direcionadas à
memória e desta – através de um processo de associação de idéias, segundo o
filósofo Hume – formam-se os pensamentos.
O próprio hábito de associar ideias,
pela diferenças ou semelhanças, forma a razão, ainda segundo Hume. A mais
famosa tese do empirismo, desenvolvida por John Locke, é a da tabula rasa. Com
este conceito o filósofo queria dizer que ao nascermos não temos nenhum
princípio ou idéia inata e tudo que aprendemos e processamos em nossa mente
provêm das experiências feitas durante a vida.
A escola
racionalista, inaugurada por René Descartes (1596-1650), tem um posicionamento
diferente em relação à maneira como é adquirido o conhecimento. Vivendo em um
ambiente diferente dos empiristas, assolado por guerras (Guerra dos 30 anos de
1618 a 1648) e perseguições religiosas (Massacre de São Bartolomeu em 1572), os
filósofos racionalistas foram mais apegados a conceitos imutáveis, como os das
ciências teóricas (matemática e geometria). Para os filósofos racionalistas,
cujos representantes principais foram Descartes, Nicolas Malebranche
(1638-1715), Baruch Espinosa (1632-1677) e Leibniz (1646-1716), é necessário
descobrir uma metodologia de investigação filosófica sobre a qual se pudesse
construir todo o conhecimento. A resposta a esta questão, encontrada por
Descartes, foi que o conhecimento válido não provem da experiência, mas
encontra-se inato na alma. Em relação ao método para atingir este conhecimento,
o filósofo francês propõe colocar em dúvida qualquer conhecimento que não seja
claro e distinto. Este conhecimento pode ser obtido através da análise
racional, com a qual é possível apreender a natureza verdadeira e imutável das
coisas. Trata-se, de certa forma, de uma reedição do platonismo, possibilitando
a metafísica e a aceitação de uma moral baseada em princípios tidos como
racionais e universalmente válidos.
A dicotomia
entre racionalismo e empirismo perpassa toda a filosofia dos séculos XVII e
XVIII. A possibilidade do conhecimento efetivo e absoluto, afirmado pelos
racionalistas e negado pelos empiristas é estudada detalhadamente pelo filósofo
Immanuel Kant (1724-1804). Este teve sua atenção despertada para o problema do
conhecimento após ler a obra do empirista Hume, que, segundo o próprio Kant, o
acordou do “sonho dogmático”. A solução para a oposição entre o racionalismo e
o empirismo foi chamada por ele mesmo de “Revolução copernicana da filosofia”,
numa referência à revolução paradigmática feita por Copérnico na astronomia,
que mudou nossa visão do mundo e de sua posição no universo.
De certo
modo, Kant tentou provar que tanto os inatistas (os racionalistas, que
consideravam certas idéias inatas na alma) quanto os empiristas estavam
errados. Ou seja, os conteúdos do conhecimento não eram inatos nem eram
adquiridos pela experiência. Kant postula que a razão é inata, mas é uma
estrutura vazia e sem conteúdo, que não depende da experiência para existir. A
razão fornece a forma do conhecimento e a matéria é fornecida pelo
conhecimento. Desta maneira, a estrutura da razão é inata e universal, enquanto
os conteúdos são empíricos, obtidos pela experiência. Baseado nestes
pressupostos, Kant afirma que o conhecimento é racional e verdadeiro.
Todavia,
segundo o filósofo, não podemos conhecer a realidade das coisas e do mundo, o
que ele chamou de noumeno, “a coisa em si”. A razão humana só pode conhecer
aquilo que recebeu as formas (cor, tamanho, etc.) e as categorias (elementos
que organizam o conhecimento) do sujeito do conhecimento, isto é, de cada um de
nós. A realidade, portanto, não está nas coisas (já que não as podemos conhecer
em última análise), mas em nós. Assim, vemos o mundo “filtrado e processado”
pela nossa razão, depois que as percepções passaram pelas categorias.
Efetivamente,
depois de Kant a Teoria do Conhecimento tomou um rumo bastante diverso daquele
do racionalismo e empirismo originais. A solução dada ao tema pelo filósofo de
Königsberg não eliminou as discussões, mas deu-lhes uma profundidade muito
maior.
BLACKBURN,
Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro:
1997, 437 p.
HESSEN,
Johannes. Teoria do Conhecimento. Martins Fontes. São Paulo: 2003, 173 p.
HÖFFDING, Harold. A brief history of modern philosophy (Uma breve história da
filosofia moderna). The MacMillan Company. New York: 1935, 324 p.
MONDIN, B.
Introdução à filosofia. Edições Paulinas. São Paulo: 1980: 272 p. WERKMEISTER,
W.H. A philosophy of science (Uma filosofia da ciência). Harper & Bros.
Publishers. New York: 1940, 551 p.
Fonte: http://www.consciencia.org/empirismo-e-racionalismo
Organização da postagem: Profª Lourdes Duarte
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