O repensar da
educação no Brasil
EDUCAÇÃO PARA A
COMPETITIVIDADE OU PARA A CIDADANIA SOCIAL?
FERNANDA A. DA
FONSECA SOBRAL
Professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasil
Professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasil
As formas pelas quais a educação vem sendo
abordada na sociedade brasileira têm variado historicamente, evidenciando a ideia
de Durkheim de que a educação é um processo de socialização (que integra os
indivíduos no contexto social) e, por essa razão, varia segundo o tempo e o
meio. Embora supondo que a educação não apenas integra o indivíduo ao meio
social, mas também lhe proporciona uma maior capacidade de autonomia e, por
isso mesmo, de interferência no meio social, é relevante mostrar que a educação
sempre tem uma importância eminentemente social, ainda que essa questão assuma
conotações diferentes através da história.
A intenção aqui é de discutir a abordagem
contemporânea dada à educação na sociedade brasileira, sobretudo às ideias de
educação como promotora de competitividade e de cidadania social, mostrando,
outrossim, como essas concepções de educação refletem-se na política
educacional brasileira da década de 90 e como estão relacionadas a certas
transformações da sociedade brasileira, nas quais se incluem o processo de
globalização e a consolidação da democracia.
Porém, antes da discussão sobre as ideias
atuais sobre educação, será apresentada de forma resumida a relação entre
educação e sociedade brasileira em diferentes momentos da história do país.
Nos anos 50 e até o início da década de
60, a educação é sobretudo considerada um instrumento de mobilidade social.
Neste quadro, além das funções de socialização e de formação, a educação
deveria dar "status" aos indivíduos.
A educação
representava, para o indivíduo, a possibilidade de ascensão na hierarquia de
prestígio que caracterizava a estrutura piramidal da sociedade e, para a
sociedade, uma maior abertura do sistema de estratificação social.
Nesse
período, o contexto mundial é caracterizado pela reestruturação social abalada
pela Segunda Guerra Mundial, pelo fortalecimento do bloco socialista e pela
configuração dos sistemas capitalistas e socialista em áreas definidas. Havia
então uma preocupação com a legitimação da social democracia, ameaçada pela ideologia fascista
do passado e pelo socialismo soviético.
No Brasil,
Florestan Fernandes (1972) caracteriza esse período pela passagem de uma ordem
social estamental para uma ordem competitiva. Além disso, é um momento em que
as ideias de democracia (mais populista do que liberal no Brasil) eram
enfatizadas, e através delas pretendia-se diminuir o poder das oligarquias,
fortificar a burguesia nascente e dar uma certa participação eleitoral às
massas.
Nessa
sociedade mais aberta que emergia, mesmo a educação continuando a ter uma
função decorativa de consolidar "status" sociais definidos por
critério de origem socioeconômica, ela também passa a ser requerida como um
instrumento de mobilidade social ascendente, sobretudo para as classes médias.
Também tem
lugar a substituição de importações após a grande depressão mundial, quando
ocorreu um rompimento com o modelo agroexportador. Daí resulta um estímulo
considerável à industrialização de bens de consumo duráveis.
Nesse
sentido, a educação tinha um papel importante no processo de legitimação pelo
grau de abertura da sociedade. Uma sociedade em processo de industrialização e
de democratização deveria mostrar um sistema de estratificação social mais
fluído.
Diferente é
o período posterior. Durante o governo autoritário, em vez de uma preocupação
predominante dos estudos em mostrar alterações quanto a barreiras sociais menos
rígidas, típica de uma ideologia democrática, a intenção era sobretudo mostrar
a possibilidade de rendimentos oferecida pela educação, ou seja, evidenciar os
seus aspectos econômicos, típica de uma ideologia desenvolvimentista.
Nos meados
da década de 60 e nos anos 70, há uma ênfase dos estudos econômicos da
educação. A partir do trabalho de Schultz (1973), são utilizados conceitos como
o de capital humano, para explicar o investimento em educação, o de
produtividade, taxa de retorno, custos da educação e a concepção de educação
enquanto mercadoria. Essa visão de educação repercute na sociedade em termos de
crescimento econômico e nos indivíduos quanto à melhoria de renda, através de
uma maior qualificação para o mercado de trabalho.
Nesse
período, mundialmente, há a consolidação do sistema capitalista monopolista em
contraposição ao sistema socialista. Também esse momento é marcado pelo
crescimento econômico surpreendente da Alemanha e do Japão no pós-guerra,
fenômeno impossível de ser explicado pela economia clássica a partir dos três
fatores de produção, terra, capital e trabalho, exigindo um novo conceito
explicativo, como o de "capital humano". Também a democracia liberal
passa a ser substituída por Estados intervencionistas na esfera econômica.
No Brasil,
esse período é caracterizado pela importância da intervenção do Estado na
economia, visando a superação do subdesenvolvimento. Ocorreram uma
industrialização progressiva e uma internacionalização da estrutura produtiva,
aspectos já observados ao final da década de 50. O desenvolvimento era
considerado enquanto modernização e, neste sentido, a inserção do país no
mercado internacional era essencial.
Embora o
modelo econômico de substituição de importações tenha se esgotado e o período
1963-67 tenha passado por baixas taxas de crescimento, a partir de 1968 começa
uma nova fase de expansão que vai levar ao chamado "milagre econômico
brasileiro". Neste quadro, delineia-se uma política educacional preocupada
sobretudo com a rentabilidade dos investimentos educacionais.
Frutos dessa
política são a Reforma Universitária de 1968 e a Lei de Profissionalização do
Ensino Médio de 1971, que se baseavam na constatação da deficiência de
mão-de-obra qualificada necessária ao desenvolvimento econômico do país e da
discrepância entre a preparação oferecida pelo sistema educacional e as
necessidades da estrutura de emprego.
Porém, é
importante destacar a política econômica e desenvolvimentista contida na
Reforma Universitária, ou seja, a ideia de que a universidade revelava-se
inadequada para atender às necessidades do processo de desenvolvimento e
modernização que estava ocorrendo, exigindo, portanto, a racionalização das
atividades universitárias (criação do departamento, do sistema de créditos, do
ciclo básico), a fim de lhes conferir maior eficiência e produtividade, aspecto
peculiar à análise econômica da educação.
Assim, a
criação da pós-graduação no Brasil e o início das atividades de pesquisa na
universidade são o resultado de uma política estatal que visava a modernização
do ensino superior dentro de um projeto de desenvolvimento. Essa era então a
função social da universidade: qualificar recursos humanos e produzir
conhecimento científico e tecnológico, no sentido de permitir a expansão
industrial brasileira.
Assim, há
uma mudança na forma de legitimação possibilitada pela educação. Se
anteriormente a mobilidade social resultante do acesso à educação expressava
uma sociedade mais aberta e democrática, nas décadas de 60 e 70 a legitimação
tem base mais econômica, ou seja, o importante é o papel da educação no
desenvolvimento. O que importa nesse período é o crescimento econômico e menos
a fluidez da sociedade.
No final da
década de 70, a abertura política começa ao mesmo tempo em que se assiste o
final do milagre econômico brasileiro. Neste período, a educação passa a ser
considerada politicamente, em que se coloca sobretudo o seu papel na construção
da cidadania. Trata-se de um momento de crise de legitimação do Estado, em que
os movimentos sociais tiveram um papel importante no sentido de retorno à
democratização do país. Há um aprofundamento da discussão sobre o papel das
políticas sociais, das políticas públicas na construção da democracia e
cidadania, ao lado dos avanços na democratização do país que culminaram com a
instituição da anistia, a criação de novos partidos políticos e a realização
das primeiras eleições diretas para governadores.
Também no
contexto mundial foi o auge do desenvolvimento do Estado de Bem-Estar Social,
sendo que a democratização passa também a ser muito enfatizada, devido à
proeminência da queda do Muro de Berlim, que simbolizava o fim do socialismo.
Neste
sentido, a democratização do acesso e da gestão da educação era fundamental,
tornando então crucial a questão do ensino público em termos da gratuidade e da
garantia de recursos públicos e das eleições para os cargos diretivos das
instituições educacionais. Quanto à universidade, além do seu papel na
construção da cidadania para o qual eram necessárias a ampliação do seu acesso,
a democratização dos seus instrumentos de gestão e a sua autonomia, também lhe
era requerida a função de contribuir para a autonomia do país.
Esta
preocupação deve-se ao fato de um novo conceito de desenvolvimento colocado
nesse período: apesar de o processo de internacionalização continuar em vigor,
a aspiração de autonomia nacional se faz dominante através da necessidade de
geração de conhecimento científico e tecnológico, tendo em vista a superação da
dependência em relação aos países centrais (estas ideias vão dominar o período
da Constituinte). Neste projeto de autonomia, a competência científica e a
consolidação da pós-graduação na universidade eram muito importantes, pois o
ciclo completo de produção do conhecimento não podia ser dominado sem a
pesquisa básica, geralmente realizada na universidade, embora a competência
tecnológica e o papel da empresa nacional não tenham sido preteridos neste
período.
Assim, a
educação traria para o indivíduo a sua cidadania no sentido tanto do acesso ao
ensino público e gratuito como da sua participação nas diferentes esferas do
poder, o que significaria, para a sociedade, uma maior democratização e também
uma maior autonomia (através da capacitação científica da universidade), ou
seja, a legitimação inspirada pela educação era mais de caráter político.
Já na década
de 90, a educação é considerada, sobretudo, promotora de competitividade. Essa
educação que possibilita a competitividade dá ao indivíduo a condição de
empregabilidade e traz para a sociedade a modernidade associada ao
desenvolvimento sustentável.
O novo
contexto mundial é marcado pela globalização e pela menor intervenção do estado
na economia, o que estimula ainda mais a competição entre os países e entre as
empresas. Além disso, começa a se instalar um novo paradigma produtivo, cuja
base técnica é eletroeletrônica, própria do sistema industrial de automação
microeletrônica e que está ancorado sobretudo no conhecimento e na educação.
Enquanto o
fordismo caracterizava-se pela rigidez e simplificação do trabalho, pelo
parcelamento de tarefas e pela especialização do conhecimento, o toyotismo
(originado no Japão), paradigma vinculado à base eletroeletrônica, tem como
características a maleabilidade, a conjugação de tarefas e o conhecimento mais
holístico com maior potencial de criatividade. Essas novas tendências levam a
pensar o conhecimento pela interdisciplinaridade, intercambiaidade e
experimentação (Peliano, 1998). Nesse contexto, educação
e conhecimento estão muito associados a desenvolvimento científico e
tecnológico que, por sua vez, levam à competitividade.
Diante do
processo de globalização, da maior abertura do nosso país ao mercado
internacional e da tentativa de entrar no novo paradigma produtivo, a formação
de recursos humanos torna-se importante para aumentar a nossa competitividade,
seja pela formação de pesquisadores altamente qualificados pelas universidades
e pelo sistema de pós-graduação e que são responsáveis pela produção científica
de ponta e pela produção de novas tecnologias, seja pela modernização
tecnológica das empresas que dependem da pesquisa científica de ponta e também
da educação básica e profissional de sua mão-de-obra.
Dessa forma,
os indivíduos tornam-se mais competitivos no mercado, ou seja, com maior grau
de empregabilidade, assim como as empresas ficam mais competitivas no mercado
internacional, contribuindo para o desenvolvimento de nossa sociedade.
Percebe-se nesse contexto uma legitimação de caráter mais econômico,
possibilitada pela educação.
Um dos
princípios atuais do "Consenso de Washington" é de que a educação é
base para o desenvolvimento, ideia já vigente na década de 70 com a economia da
educação, que afirmava serem os investimentos em educação muito importantes
para o crescimento econômico do país. A novidade da década de 90 é que não é
apenas a educação. Educação, ciência e tecnologia estão sendo consideradas um
tripé para o desenvolvimento.
O retorno da
racionalidade econômica, característica da abordagem econômica da educação pela
teoria do capital humano (Schultz, 1973), é explicado, nos países
desenvolvidos, pela crise do welfare state e, na América Latina, pela
crise do Estado desenvolvimentista (Benakouche, 1999). Enquanto a crise nos
primeiros é verificada pelo fato de que a intervenção no Estado na área social,
para atender às crescentes demandas sociais, se traduz num déficit fiscal, a
crise do Estado desenvolvimentista é explicada pela maciça intervenção do
Estado na economia, tornando-se onipresente nas atividades de produção de bens
e serviços, levando-a à ineficiência e ineficácia. "A idéia é de eliminar
o Estado-Burocrático e Patrimonialista para colocar no lugar o
Estado-Empresário" (Benakouche, 1999:34). "Persegue-se, portanto, a
diminuição do tamanho do Estado, a redução de custos, o aumento da
produtividade, o uso das técnicas de qualidade. Ora, esse encadeamento de
conceitos tem um nome e um sobrenome: ele se chama economicidade para não dizer
economia" (Benakouche, 1999:35).
Embora a
racionalidade econômica permeie a idéia de educação para a competitividade na
política educacional brasileira recente, não se pode ignorar, entretanto, uma
concepção social da educação, no que se refere à ampliação das oportunidades
educacionais para diminuir as desigualdades sociais, concretizando-se, dessa
forma, uma sociedade mais justa. No período da redemocratização, a cidadania
política foi muito reforçada, porém atualmente verifica-se que essa não foi suficiente
para consolidar uma maior participação na sociedade, ou seja, uma maior
cidadania social. Por essa razão, a educação passa a ser também considerada
promotora de cidadania social.
As ideias de
cidadania política e social têm suas origens no pensamento de Marshall (1979),
quando o autor vincula o conceito de cidadania a partir do desenvolvimento dos
direitos, iniciando com o aparecimento dos direitos civis, políticos e,
finalmente, os sociais. Os direitos civis referem-se aos direitos necessários à
liberdade individual, os direitos políticos compreendem a participação no
exercício do poder e os direitos sociais, que surgem no século XIX,
correspondem ao desenvolvimento das leis trabalhistas e à implantação da
educação primária pública. São estes direitos que constituem a cidadania
social, diferentemente da cidadania política mais característica do período
anterior e que se limitava sobretudo à participação no poder.
Ou seja, a
educação é importante para o país enquanto condição de competitividade, no sentido
de permitir a entrada no novo paradigma produtivo que é baseado, sobretudo, na
dominação do conhecimento. Porém, a educação também é considerada relevante no
que se refere ao seu papel de diminuição das desigualdades sociais, ou seja,
como promotora de cidadania social. Dessa forma, o desenvolvimento é obtido
através de uma maior competitividade dos indivíduos, das empresas e do país no
mercado internacional, bem como através de uma maior participação social dos
cidadãos. Isto é o que indicam as políticas mais recentes para a área
educacional, que priorizam o ensino fundamental e procuram avaliar e reformar
os ensinos médio e superior. "A nova LDB como um todo, em face das suas
indefinições e dubiedades, ao que muitos denominam flexibilidade, permite que
possa ser realizada uma educação comprometida tanto com o pressuposto de
'educação para a cidadania' como com o pressuposto da 'educação para a
competitividade' ¾ hoje, a perspectiva mais em voga, tanto na
educação profissionalizante como na educação propedêutica" (Teixeira,
1999:97).
CONCEPÇÕES
DE EDUCAÇÃO NAS POLÍTICAS PARA OS ENSINOS FUNDAMENTAL E MÉDIO
A ideia de
educação para competitividade, associada ao desenvolvimento científico e
tecnológico, e a ideia de educação para a cidadania social constituem consensos
na agenda dos debates e formulação de políticas educacionais em âmbito
internacional.
As citações
apresentadas a seguir confirmam esta tendência: "a educação passa a
ocupar, junto com as políticas de ciência e tecnologia, lugar central e articulado
na ponta das macropolíticas do Estado, como fator importante para a
qualificação dos recursos humanos requeridos pelo novo padrão de
desenvolvimento, no qual a produtividade e a qualidade dos bens e produtos são
decisivos para a competitividade internacional. Ainda que por si só a educação
não assegure a justiça social, nem a erradicação da violência, o respeito ao
meio ambiente, fim das discriminações sociais e outros objetivos humanistas que
hoje se colocam para as sociedades, ela é, sem dúvida, parte indisponível do
esforço para tornar as sociedades mais igualitárias, solidárias e
integradas" (Mello, 1998: 43).
No que se
refere à melhoria da educação fundamental, considerada prioritária pelo atual
governo, pode-se supor que ela está sendo pensada sobretudo dentro da
perspectiva de promoção da cidadania social. Para isso foi criado o Fundef
(Fundo de Manutenção de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério) pela Emenda Constitucional no 14, de 12/10/96, que
subvincula 60% dos 25% da receita de impostos constitucionalmente vinculados à
educação. Trata-se de um fundo contábil que, além de transferir recursos para
escolas públicas estaduais e municipais, propõe alterações na legislação
vigente, redefinindo o papel da União, dos estados e dos municípios na oferta
do ensino obrigatório e gratuito, estabelecendo vinculações de recursos para o
ensino fundamental.
Este fundo,
que teve início no Pará, em 1997, e nos demais estados, em 1998, apresenta os
seguintes objetivos: promover a justiça social; uma política nacional de equidade;
efetiva descentralização da gestão educacional do ensino fundamental, junto a
estados e municípios; melhoria da qualidade e valorização do magistério público
(MEC, 1999). O Fundef tem como meta, também, garantir o aumento da média
salarial do magistério do ensino fundamental no país, a colocação de maior
volume para os municípios e a garantia de uma redefinição de responsabilidades
entre municípios, estados e Distrito Federal.
Os
documentos governamentais reforçam, sobretudo, a importância da melhoria do
ensino fundamental para a promoção da justiça social, uma vez que 14,7% da
população de 15 anos ou mais ainda era analfabeta em 1996 (IBGE, 1996), embora
os dados do MEC/Inep/Seec para esse mesmo ano já indiquem uma taxa de
escolarização líquida de 95% para o ensino fundamental.
Assim, a
educação fundamental é considerada o patamar inicial para a conquista da
cidadania social, sabendo-se, entretanto, que ela só será de fato viabilizada
com a universalização da educação básica. Ou seja, mesmo concordando com a
priorização do ensino fundamental, essa decisão afetou o ensino médio, pois o
Fundef vem romper com a concepção de educação básica conquistada pela LDB (que
compreende a educação infantil, fundamental e média como um bloco de
aprendizagem básica para toda a população), além de excluir os jovens e os
adultos do âmbito dos seus recursos e de diminuir os recursos para a educação
infantil e média (Teixeira, 1999).
No entanto,
deve-se ressaltar também que a melhoria do ensino fundamental é crucial do
ponto de vista do desenvolvimento científico e tecnológico do país e da
competitividade. É o ensino fundamental que dá a formação básica para o futuro
cientista, tecnólogo, técnico ou trabalhador, pois a introdução e a absorção de
novas tecnologias características do novo paradigma produtivo exigem, além da
formação específica, certos conhecimentos básicos e gerais, como pode-se notar
na citação a seguir: "Surgem novos perfis de qualificação de mão-de-obra.
Inteligência e conhecimento parecem ser as variáveis-chave para a modernização
e produtividade do processo de trabalho, como também a capacidade de solucionar
problemas, liderar, tomar decisões e adaptar-se a novas situações. O modelo de
adestramento profissional em tarefas ou etapas segmentadas do processo
produtivo tende a ser substituído por outro, com grande ênfase na formação
básica em Ciências, Linguagem e Matemáticas" (Mello, 1998:34).
As
transformações no mundo produtivo e os novos perfis de trabalho que devem ser
formados pelo sistema educacional apresentam-se tão evidentes que, na LDB,
promulgada em 22 de dezembro de 1996, "inova-se o conceito de educação,
introduzindo o componente trabalho como princípio educativo e como elemento que
detém estreita relação com a educação geral e a conservação do
conhecimento" (Teixeira, 1999:97).
Essa
associação entre educação, trabalho e desenvolvimento tecnológico aparece mais
enfaticamente na política para o ensino médio. Segundo dados da
Sinopse/96 ¾ MEC/Inep/Seec, a taxa de escolarização na faixa etária
de 15 a 19 anos é de apenas 34,4%. No que se refere à distribuição de
matrículas no ensino médio por dependência administrativa, há declínio no setor
privado entre 1971 e 1996 (de 43,5% para 19,8%) e crescimento do setor público
com predomínio do estadual (72,1%), além de 58,8% dos alunos estarem estudando
no período noturno. Isto é, embora esteja ocorrendo um aumento das matrículas
no ensino médio, esse fato não se deve, necessariamente, a uma maior qualidade
do ensino fundamental que ainda apresenta altos índices de evasão e repetência,
mas sim a "resultados de exames supletivos e a retornos de adultos que
interromperam seus estudos há algum tempo" (Lobo, 1998:6).
Porém, um
dos maiores problemas do ensino médio no Brasil e que se reflete nas suas
políticas é o da sua identidade: oscila entre o ensino propedêutico, cujo
objetivo é preparar o aluno para o ensino superior, e a formação profissional,
que tende a ser vinculada às necessidades do mercado de trabalho.
Buscando superar
os impasses provocados pela Lei no 5.692/71, que procurou profissionalizar
todo o ensino médio mas que, de fato, aprofundou a sua dualidade ou a sua ambiguidade,
esvaziando tanto o ensino propedêutico quanto o profissionalizante, a LDB de
1996 visou preservar o caráter unitário da formação da pessoa, partindo da
proposta de educação geral como eixo unificador, ficando a educação
profissional condicionada à ampliação de sua duração. "O ensino médio,
atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de
profissões técnicas (art. 36 § 2o), no próprio estabelecimento de ensino ou em
cooperação com instituições especializadas. Os cursos médios terão equivalência
legal e habilitação ao prosseguimento dos estudos" (art. 36 §§ 3o e 4o)
(Lobo, 1998).
Entre as
finalidades básicas do ensino médio, está a preparação básica para o trabalho e
para o exercício da cidadania, já refletindo as ideias de educação para a
competitividade e de educação para a cidadania social. No que se refere à política
para o ensino médio, há uma ênfase maior na sua vinculação ao mundo do trabalho
e ao desenvolvimento científico e tecnológico e, assim, à competitividade.
Porém, a cidadania não é totalmente esquecida. É o que se pode observar entre
as suas diretrizes curriculares, em que se destacam a educação tecnológica
básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes, o
processo histórico de transformação da sociedade e da cultura, a língua
portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e o
exercício da cidadania.
Quanto à
educação profissional, constituem avanços significativos o fato de que, pela
primeira vez, o tema aparece integrado à legislação educacional, com a
possibilidade de acesso de alunos matriculados ou egressos de vários níveis de
ensino e dos trabalhadores em geral ou também a possibilidade de certificação
de conhecimento adquirido no mundo do trabalho para prosseguimento ou conclusão
dos estudos (arts. 39, 41 e 42).
A educação
profissional pode se efetuar em três níveis: básico, destinado à qualificação,
requalificação e reprofissionalização de trabalhadores, independente de
qualidade; técnico, destinado a proporcionar habilitação profissional a alunos
matriculados ou egressos do ensino médio; e tecnológico, correspondente a
cursos de nível superior na área tecnológica, voltados para egressos dos
ensinos médio e técnico.
CONCEPÇÕES
DE EDUCAÇÃO NAS POLÍTICAS DO ENSINO SUPERIOR E DA PESQUISA CIENTÍFICA E
TECNOLÓGICA
E o ensino
superior, pensado na década de 90
As políticas
para o ensino superior têm se orientado por alguns temas: a sua diversificação;
a redefinição da sua autonomia; e a avaliação de seu desempenho. A proposta de
diversificação do ensino superior está baseada no questionamento do modelo
único de universidade implantado em 1968 (Martins, 1998). A partir de então,
esse ensino seria oferecido por universidades públicas e gratuitas que deveriam
associar ensino e pesquisa. A política atual propõe a saída do modelo único,
possibilitando que a universidade ofereça formação científica (associando
ensino e pesquisa), mas que também instituições de ensino superior possam
oferecer formação profissional, tecnológica e formação de professores. Porém,
essa saída só teria condições de se efetivar com a autonomia universitária. A
definição da autonomia se enquadra na intenção de diminuir os controles
burocráticos e normativos, garantir liberdade de organização dos serviços e
execução de tarefas, estabelecendo um controle baseado na avaliação do
desempenho. Essa avaliação se aplica ao setor público, influindo na
distribuição de recursos, e ao setor privado, implicando o processo de
credenciamento e recredenciamento de recursos.
São os
objetivos, metas e prioridades definidos pelas instituições, a partir de certos
critérios, que vão balizar a avaliação. É o estabelecimento desses objetivos,
que não precisam ser os mesmos para todas as instituições de ensino superior,
que favorecerá a diversificação do sistema. Dessa forma, percebe-se a
associação feita entre os três eixos da política para o ensino superior.
Além dessas
questões que constituem hoje a agenda da discussão sobre o ensino superior e
que não serão aqui objeto de análise, também circula a idéia de que a
universidade, juntamente com outras instituições como as empresas, o governo e
as organizações não-governamentais, estaria tendendo, nas suas atividades de pesquisa,
a desenvolver um novo modo de produção do conhecimento, dentro da concepção de
educação para a competitividade.
Dessa forma,
as análises recentes sobre a universidade inclinam-se para contextualizá-la
dentro de uma "economia do saber", no sentido de vincular a produção
e a transmissão do conhecimento às necessidades do mercado.
Gibbons,
analisando sobretudo os países desenvolvidos, aponta o aumento da necessidade
de conhecimento científico e tecnológico pela indústria na sociedade
contemporânea. O conhecimento especializado torna-se um fator-chave na
determinação das vantagens comparativas entre as empresas. Em decorrência da
grande competitividade internacional, muitas empresas querem introduzir novas
tecnologias e, por isso, requerem conhecimento especializado. As empresas então
se envolvem em arranjos cooperativos com a participação das universidades, do
governo e de outras empresas (Gibbons, 1994). Daí a importância da educação.
Ou seja, a
busca de competitividade no processo de globalização é uma das condições de
emergência do novo modo de produção do conhecimento, que implica transformações
na educação em geral e, sobretudo, no ensino superior. Esse novo modo de
produção do conhecimento situa-se num contexto de aplicação, no sentido que
desenvolve pesquisas a partir da necessidade de resolver problemas práticos ou
de atender demandas econômicas ou sociais e não apenas de interesses
cognitivos, como na pesquisa básica. Caracteriza-se pela
transdisciplinariedade, pois se o conhecimento é produzido num contexto de
aplicação e não apenas com a intenção de acumulação do conhecimento na área,
muitas vezes o problema a ser solucionado através do conhecimento exige que
disciplinas complementares trabalhem a seu respeito. Também o novo modo de
produção do conhecimento pressupõe uma heterogeneidade institucional, no
sentido que ele não é desenvolvido apenas na universidade, envolvendo várias
organizações, incluindo empresas multinacionais, empresas de redes, empresas
pequenas de alta tecnologia, universidades, laboratórios de pesquisa, ONGs,
como também envolve programas nacionais e internacionais de pesquisa.
Além disso,
o conhecimento produzido não é orientado apenas para os pares (os membros da
comunidade científica), mas também para os não-produtores de conhecimento,
implicando uma maior responsabilidade social do conhecimento. Nos anos mais
recentes, houve um aumento da consciência pública sobre meio ambiente, saúde,
reprodução, etc., que estimulou a produção do conhecimento já dentro desses
novos moldes. Certos movimentos sociais e ONGs nessas áreas procuram
influenciar nas decisões sobre as pesquisas científicas e tecnológicas, o que
revela também uma maior democratização.
O novo modo
de produção de conhecimento provoca mudanças no ensino superior, pois a
pesquisa desenvolvida tradicionalmente nas universidades era mais disciplinar e
se realizava sobretudo num contexto acadêmico orientado por interesses da
comunidade científica e do processo de conhecimento e não por sua utilidade
econômica ou social. No entanto, a consolidação do novo modo de produção de
conhecimento não implica, necessariamente, a substituição do antigo. Eles podem
se desenvolver simultaneamente, dando margem à realização de pesquisas básicas,
ao mesmo tempo em que são estimuladas pesquisas aplicadas e desenvolvimento de
tecnologias, só que esses processos cada vez mais não se realizam
separadamente.
Assim, a
lógica da diversificação do ensino superior vincula-se à ideia de
diversificação da pesquisa universitária, sem que isso signifique,
necessariamente, uma desvalorização da universidade ¾ pelo fato de
ela estar associada a outras instituições ¾, nem uma redução da pesquisa
acadêmica ¾ pelo fato de ela não ser a única desenvolvida no contexto
universitário.
Se, por um
lado, é a busca da competitividade no mundo atual que leva à maior procura do
conhecimento e da educação pela sociedade, por outro, é também a democratização
da sociedade que demanda uma maior responsabilidade social do conhecimento.
Segundo Gibbons (1994), a massificação do ensino superior também viabiliza a
emergência do novo modo de produção de conhecimento, pois o número de pessoas
com competência em pesquisa cresce demais para ser absorvido apenas nas
universidades. Os lugares com competência em pesquisa diversificam-se. Além
disso, o desenvolvimento das tecnologias de comunicação e informação permite a
interação entre diferentes instituições (universidades, governo, empresas,
ONGs) e diferentes países, possibilitando a realização de pesquisas em rede.
Esses são os novos rumos do conhecimento que refletem mudanças ocorridas no
sistema de ensino superior.
Dessa forma,
Gibbons aponta a heterogeneidade institucional como uma característica
importante da produção científica e tecnológica contemporânea, supondo que essa
produção se faça agora em vários lugares, como laboratórios governamentais e as
empresas privadas, além das universidades. Por outro lado, Leydesdorff e
Etzkowitz (1996) sublinham a importância do papel da universidade na
"tripla hélice" e sugerem estudar a dinâmica das relações entre a
universidade, o governo e a indústria. Já Knorr-Cetina trabalha com o conceito
de "arenas transepistêmicas", considerando, no processo de produção
do conhecimento, as decisões negociadas dos pesquisadores e de outros atores
não científicos, mas que também participam do processo muitas vezes com
interesses nos resultados das pesquisas (empresários, governo, ONGs). Em
qualquer uma destas abordagens, o importante é destacar que a produção do
conhecimento se faz, nessa nova tendência, a partir de vários atores sociais e
de várias instituições relacionadas entre si.
Ou seja,
estão emergindo transformações no modo de produção do conhecimento, que se
vinculam à mundialização da economia, à ascensão da economia dos saberes ou da
informação e à introdução das mudanças tecnológicas no processo de produção.
Essas mudanças, aliadas à reformulação do papel do Estado que diminui os
recursos públicos consagrados à educação, sugerem uma racionalidade econômica
que se faz sentir na pesquisa universitária, com a passagem de uma política da
ciência para uma política da inovação (Doray e Pelletier, 1999).
Porém, há
também o fenômeno da democratização que aumenta a necessidade de "social
accountability" do conhecimento, ou seja, de uma maior participação da
sociedade no processo de conhecimento. A consolidação democrática pode levar os
pesquisadores a trabalharem considerando demandas socioeconômicas, pois a
opinião pública tende a cobrar mais resultados da pesquisa científica e
tecnológica. Isso faz com que aumente o peso das pesquisas temáticas e
determine as agendas de pesquisa em função de demandas externas.
Em trabalho
realizado em 1994 (Sobral e Trigueiro, 1994), mostrou-se que o Brasil já
possuía capacitação tecnológica em determinadas áreas, mas que apenas em parte
ocorria desenvolvimento das chamadas tecnologias de ponta ou atendimento de
demandas econômicas e sociais fundamentais para o país. Afirmou-se, então, que
muitas das limitações do nosso desenvolvimento científico e tecnológico
centravam-se na questão da formação de recursos humanos, que, por sua vez,
ligava-se a deficiências do nosso sistema educacional.
Por outro
lado, o modelo de desenvolvimento científico e tecnológico, impulsionado pela
ciência e que seguia sobretudo a lógica do processo de conhecimento e não as
necessidades econômicas e sociais, adotado predominantemente no Brasil, havia
se mostrado eficiente no sentido de constituir uma comunidade científica
competitiva. Porém, precisaria ser combinado a outros procedimentos que
envolveriam, além das demandas do mercado acadêmico-científico, outras demandas
do mercado econômico e social.
Por essa
razão, propôs-se, nessa ocasião, o estabelecimento de um modelo misto de
desenvolvimento científico-tecnológico, que envolveria a combinação de dois
tipos de procedimento: o desenvolvimento científico e tecnológico, impulsionado
pela ciência; e aquele orientado pela demanda econômico-social ou pelo mercado.
Se o modelo de "impulsão pela ciência", por um lado, estava sendo
satisfatório no que se refere à qualidade dos pesquisadores, das equipes e dos
projetos de pesquisa, por outro, estava sendo insuficiente quanto à valorização
ou à escolha de temas dentro de certas áreas. Com o modelo misto, ocorreria
então a união do mercado econômico-social ao mercado acadêmico.
Sendo assim,
os eixos orientadores da pesquisa universitária na atualidade a associam à
economia e à intervenção social, ou seja, refletem as idéias de educação para a
competitividade e educação para a cidadania social, embora com um maior reforço
para a questão propriamente econômica.
A título de
conclusão, pode-se enfatizar a ideia inicial de que a concepção de educação
muda através dos tempos e que a sociedade contemporânea, considerada sociedade
do conhecimento, requer um repensar sobre a educação. Na década de 90, ela está
sendo pensada como educação para competitividade (mais no nível médio e superior)
e como educação para a cidadania social (mais no nível fundamental).
Porém, é
importante destacar que uma única concepção de educação não pode dominar
inteiramente, da mesma forma como se afirmou anteriormente que o novo modo de
produção de conhecimento não pode excluir o antigo ou que se sugeriu um modelo
misto de desenvolvimento científico e tecnológico.
No que se
refere à educação, as dimensões social e econômica não são necessariamente
excludentes. A visão utilitarista não pode eliminar a visão humanista.
Quer saber mais, aqui:
FONTES: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392000000100002
Pesquisa : Profª Lourdes Duarte.
Pesquisa : Profª Lourdes Duarte.
Uma postagem maravilhosa, a trajetória da educação no Brasil. Temas que cai em vestibular, concursos, ENEM... Parabéns pelo belo trabalho. Abraços
ResponderExcluirObrigada amiga! Volte sempre. Bjus
ExcluirBom dia amiga Elza, que beleza de post, um informe de cunho social de suma importância, assim tomamos conhecimento mais profundo que muito pode ajudar aos estudantes, pena que os jovens estudantes não curtem blog ligados à literatura, curtem muita baboseira que em nada acrescenta aos seus conhecimentos.Belo relevante trabalho!
ResponderExcluirTenha um feliz dia!
Bjss!
Olá Diná! Que bom saber que gosotu, seja sempre bem vinda! Bjus
ExcluirHola Elza, vengo del blog de Ester. Me encantan las fotos tan bellas, ya iré poniéndome al día. He decidido quedarme aquí, lo que veo me encanta. Una suerte habernos puessto en contacto.
ResponderExcluirAmistosamente.
Obrigada pela visita,seja sempre bem vinda! Abraços
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